quinta-feira, 12 de novembro de 2009

De tanto pensar

O gari passava todo dia à mesma hora, como mesmo jeito de descer do caminhão, cantando sempre a mesma canção.

Do seu banco, no caixa da lanchonete, Margarida o observava, via que era jovem.

Perguntava-se em pensamento: se era ele casado, se tinha filhos, e se era feliz. Parecia feliz, mas não tinha certeza se era feliz, pois cantava sempre a mesma música.

Para Margarida, cantar era bom, mas a mesma música, hummm, alguma coisa estava errada.

Perguntava-se também: e se fosse solteiro, quanto ganhava, devia ser pouco, será que já tinha namorada, será que ela teria alguma chance com ele.

Ao pensar assim, ficava vermelha, com vergonha. Não sabia de porque ficar vermelha se só estava pensando e ninguém iria saber o que passava pela sua “cachola”.

Mal sabia ela que Godofredo, esse era o nome do gari “cantador”, fazia tipo para impressioná-la, mas não tinha coragem de falar com ela, pois também pensava: será que ela era casada, se tinha filhos, e se era feliz. Parecia feliz, mas não tinha certeza se era feliz, pois ficava sempre na mesma posição naquele banco.

Para Godofredo, ficar sentado, mas sempre na mesma posição, com o mesmo jeito de olhar, hummm, alguma coisa estava errada.

Perguntava-se também: e se fosse solteira, quanto ganhava, devia ser pouco, será que já tinha namorado, será que ele teria alguma chance com ela.

E assim passaram-se anos.

Certo dia, ao se levantar, Margarida percebeu no espelho que estava com alguns fios de cabelos brancos.

Godofredo, em um espelho quebrado que achara num saco de lixo, tentava disfarçar uma teimosa calvície que teimava em aparecer, luzindo e aumentando a área de sua testa.

Mas um dia, algo diferente aconteceu.

Godofredo havia sido trocado de turno, isso o abalou emocionalmente, pois ele fazia tudo tão correto, quase perfeito.

De mau humor foi trabalhar.

De mau humor não cantou a mesma canção.

Fora da sua zona de conforto, esqueceu o charme e o tipo que fazia para impressionar a Margarida.
Chegando à frente da lanchonete em que Margarida trabalhava, nem observou, estava tão fora do seu equilíbrio, que não percebeu o que estava fazendo. Tão diferente de muitos anos.

Margarida percebeu e pensou que aquele senhor já devia ter uns quase cinqüenta anos, mas que devia ser muito esquisito, pois tinha mudado demais, deixara de cantar a canção que ela já sabia de cor, deixara de descer do caminhão de lixo como só ele sabia descer, mudara de horário, quando o melhor horário era o antigo em que ele sempre trabalhara, o olha que por mais de vinte anos.

Ficou intranqüila.

Desiludiu-se.

E não pensou mais, apenas demitiu-se.

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