sábado, 20 de agosto de 2011

A faxina da Dilma

A imprensa está chamando de “faxina da Dilma” a forma como ela vem tratando membros do governo, comprovadamente corruptos. Não entendo que seja uma faxina, não entendo que seja da Presidente Dilma. O que entendo é que nossa representante está fazendo o que deve ser feito. É, também, para isso que ela está naquele cargo. Justa, honesta para com aqueles que a elegeram, para com os cidadãos brasileiros, para com os contribuintes que lhe pagam o salário. Esse ato ético deve ser preservado, uma vez que reflete a todos nós, não podemos deixar a presidente a mercê da coação de políticos corruptos que ameaçam retirar o apoio e inviabilizar seu mandato, devemos, isso sim, ir de encontro aos atos corajosos e corretos da Presidente, apoiá-la, deixando claro para essa corja que ela não está sozinha. A impressão que tenho é que os brasileiros imaginam que da Presidente e somente dela é o problema, ficamos assistindo aos noticiários esperando pra ver qual será o próximo capítulo. O que está acontecendo não é uma novela; o que estamos vivendo faz muito tempo é a dura realidade do nosso sistema político. Um sistema egocêntrico e irresponsável onde políticos, em sua maioria, pensam e agem como se o Brasil fosse deles e não das pessoas a quem eles representam. E, o cidadão, acredita dessa mesma forma também. Haja vista que em pouco tempo usufruindo de informações privilegiadas, de conchavos, falcatruas, esses enriquecem a passos largos. E nada é cobrado, exigido, fiscalizado, se aceita isso como se fosse “assim mesmo”. Se pudéssemos olhar nas gavetas desses, encontraríamos pilhas de contratos em nomes de “laranjas”, patrimônio muito maior do que se é noticiado. São as benesses que o poder do cargo traz. Forma totalmente incompatível com que se espera de um representante do povo. Aliás, esses representam apenas a si e aos seus interesses. E, quando isso fica comprovado, o que deve ser feito? Extirpar essa doença do meio político. Mas como fazer isso? Uma vez que se mexe aqui, ali emperra. Mexe-se acolá, emperra mais ainda. É a força oculta, inimiga, sórdida, que mata mais que uma guerra, que o trânsito, que as doenças do corpo. É a doença da corrupção egoísta que alimenta só ao seu agente, deixando milhões de pessoas morrerem à míngua. O ato da Presidente Dilma, mais que uma faxina, é um ato profilático corajoso e correto. É o que deveria ocorrer em todos os cantos do Brasil, com apoio maciço da opinião pública, com atos públicos, em todas as formas legais e possíveis de demonstrar a nossa insatisfação com esse câncer que degenera a sociedade brasileira: a corrupção. Presidente Dilma precisa de apoio, a hora é agora meu povo.

domingo, 15 de novembro de 2009

Cajuína

A história desta canção é muito triste, a capacidade de síntese e a bela poesia de Caetano fizeram-na um hino, vale a pena, sempre.

Cajuína
Caetano Veloso
Composição: Caetano Veloso

Existirmos: a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina

http://www.youtube.com/watch?v=S5NxSwkwx-o&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=ZaxDlDbMppE&feature=related

quinta-feira, 12 de novembro de 2009


De tanto pensar

O gari passava todo dia à mesma hora, como mesmo jeito de descer do caminhão, cantando sempre a mesma canção.

Do seu banco, no caixa da lanchonete, Margarida o observava, via que era jovem.

Perguntava-se em pensamento: se era ele casado, se tinha filhos, e se era feliz. Parecia feliz, mas não tinha certeza se era feliz, pois cantava sempre a mesma música.

Para Margarida, cantar era bom, mas a mesma música, hummm, alguma coisa estava errada.

Perguntava-se também: e se fosse solteiro, quanto ganhava, devia ser pouco, será que já tinha namorada, será que ela teria alguma chance com ele.

Ao pensar assim, ficava vermelha, com vergonha. Não sabia de porque ficar vermelha se só estava pensando e ninguém iria saber o que passava pela sua “cachola”.

Mal sabia ela que Godofredo, esse era o nome do gari “cantador”, fazia tipo para impressioná-la, mas não tinha coragem de falar com ela, pois também pensava: será que ela era casada, se tinha filhos, e se era feliz. Parecia feliz, mas não tinha certeza se era feliz, pois ficava sempre na mesma posição naquele banco.

Para Godofredo, ficar sentado, mas sempre na mesma posição, com o mesmo jeito de olhar, hummm, alguma coisa estava errada.

Perguntava-se também: e se fosse solteira, quanto ganhava, devia ser pouco, será que já tinha namorado, será que ele teria alguma chance com ela.

E assim passaram-se anos.

Certo dia, ao se levantar, Margarida percebeu no espelho que estava com alguns fios de cabelos brancos.

Godofredo, em um espelho quebrado que achara num saco de lixo, tentava disfarçar uma teimosa calvície que teimava em aparecer, luzindo e aumentando a área de sua testa.

Mas um dia, algo diferente aconteceu.

Godofredo havia sido trocado de turno, isso o abalou emocionalmente, pois ele fazia tudo tão correto, quase perfeito.

De mau humor foi trabalhar.

De mau humor não cantou a mesma canção.

Fora da sua zona de conforto, esqueceu o charme e o tipo que fazia para impressionar a Margarida.
Chegando à frente da lanchonete em que Margarida trabalhava, nem observou, estava tão fora do seu equilíbrio, que não percebeu o que estava fazendo. Tão diferente de muitos anos.

Margarida percebeu e pensou que aquele senhor já devia ter uns quase cinqüenta anos, mas que devia ser muito esquisito, pois tinha mudado demais, deixara de cantar a canção que ela já sabia de cor, deixara de descer do caminhão de lixo como só ele sabia descer, mudara de horário, quando o melhor horário era o antigo em que ele sempre trabalhara, o olha que por mais de vinte anos.

Ficou intranqüila.

Desiludiu-se.

E não pensou mais, apenas demitiu-se.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Três vidas, uma escolha

Ela retorna imediatamente para a sala, fica esperando que Ana desça, está transtornada, mas quer apenas assustar sua “rival”, dizer que vá tentar a sorte com outro homem. Ana desce e nem percebe que outra pessoa a espera, está tão esfuziante que parece no céu. Quando Walkiria interrompe-a do devaneio, essa assustada e, de pronto, tenta correr, mas escorrega, bate com o braço na mesa, parece ter quebrado. Walkiria se ri, vem de encontro a Ana, dizendo que não vai doer, e que isso é só para ela aprender a não se meter com o seu marido. Ana tenta argumentar, pergunta sobre o que ela está falando, a outra diz para ela não se fazer de desentendida, que André é seu esposo, Ana diz que ele nunca tinha dito isso, que ela não sabia, exige que Walkiria saía de sua casa. Ao mesmo tempo pergunta aonde está André. Que ele pode comprovar que se conheceram naquela semana. Walkiria então quer continuar o serviço, vê que Ana está ainda caída, pisa no braço quebrado, e diz que ela deve pedir perdão e jurar que nunca mais vai ver André. Ana chora, promete, está ficando desesperada por causa da dor. Walkíria é impiedosa, levanta sua vítima e tenta atemorizá-la mais um pouco, no que Ana de supetão se desvencilha e bate com um pequeno jarro no rosto de Walkíria que revida empurrando-a, essa cai novamente bate a cabeça com força e fica ao chão, Walkíria verifica, está sem pulso, sem respiração, parece morta. Walkiria é quem se desespera, vê tudo ficar fosco, turvo e desmaia junto à cama. Quando abre os olhos o corpo está lá no chão, Ana tinha morrido mesmo. (...)
Ana lembrou-se de como tudo aquilo acontecera. Ela saindo do banheiro depois do banho e estava se vestindo. Pegara uma blusa para compor com a calça nova. Ia a um encontro, que deveria ser um dos mais felizes da vida dela. Separada, depois de um bom tempo sofrendo, tinha resolvido voltar a viver. André a convidara, rapaz que parecia ser um sonho. Deslumbrante no trato com as pessoas. Tinha vindo mais cedo do que o combinado, ela o deixara entrar em casa, e esperar na sala. Depois de conversarem e rirem a respeito de algumas coisas, principalmente do que a noite prometia. Ela pediu licença foi se arrumar, ele continuou na sala. (...)
Walkíria ali, começou a lembrar-se de como tudo tinha acontecido. Seu marido, sempre tivera seus casos, mas ultimamente estava muito diferente, parecia apaixonado e não era por ela, então decidiu ir à luta em defesa do seu casamento. Dominava-o, mas também sabia que esse domínio era para “inglês ver”, pois ele se fazia dominado. (...)
André acorda dentro do porta malas, forte dor de cabeça, vêm a sua memória que estava na sala da casa de Ana quando batem à porta, André espera um pouco, como Ana não vem, ele vai atender, leva um susto é sua mulher, Walkiria. Que não fala nada, apenas faz sinal para que ele a siga, este aturdido, obedece, ela o envolve de tal modo que quando se dá conta, está algemado dentro porta malas do carro, Walkiria usara clorofórmio. (...)
Walkíria estava deitada as mãos trêmulas, o sangue ainda escorria pelo canto da boca, nervosa, não sabia como aquilo poderia ter acontecido, nunca imaginara fazer tal ato. E agora, o que faria, o que seria dela, e se descobrissem. Chorou e como um passe de mágica, ergueu-se, procurou o banheiro, lavou o rosto, retocou a maquiagem passou por cima do corpo e saiu. Abrindo a porta do carro ela vê um vulto no lado de dentro da casa, quase desmaia, quase tem um “treco”. De duas uma, ou tinha alguém dentro da casa e vira tudo o que ocorrera, ou ela não morrera. Não conseguia se manter em pé e nem entrar no carro tamanho foi o descontrole. Decidiu voltar, pois agora tinha que se certificar, deixar como parecia, iria ser perigoso demais, não podia deixar testemunhas, não podia. Machucada, nervosa, mas decidida a terminar o que infelizmente começara. Voltou, pé por pé, encostou à parede com receio de ser alvejada com alguma coisa, estendeu o braço e pôs a mão na maçaneta da porta, recolheu, recuou, tinha que equilibrar a respiração, estava com a adrenalina a mil, estava por desfalecer, mas não havia outro jeito, voltou à porta, abriu de uma vez, o corpo não estava mais lá, isso era terrível, além de não ter morrido ainda tinha escapado, o que ela faria, tentou não desesperar mais do que já estava. Respirou fundo, esgueirando-se pelos cantos, olhando de onde poderia vir o ataque. De repente ficou escuro desligaram a energia. Parecia que tudo estava contrário. Concentração, concentração pensava. Viu mais um vulto, agora do lado de fora, outro vulto, agora do lado de dentro, eram duas pessoas, ou ela estava conseguindo “brincar” e atordoá-la. Acostumada com a escuridão ja conseguiua ver algumas coisas. Viu uma faca em cima da mesa, pegou-a, com uma rapidez impressionante, sentiu-se mais segura com aquela possível arma de defesa. Um rastro de sangue seguia para o quarto. Pelo menos uma pista para ajudar, se o sangue era tanto então ela devia estar bem ferida e não seria difícil dominá-la e dar cabo da execução. Encontrou um cantinho, parecia seguro e bem colocado para esperar, ficar de tocaia. (...)
Walkiria pensara que Ana estava morta, mas esta apenas estava desacordada, no calor da briga ela não conseguira perceber isso, e agora estava em apuros, pois não sabia o que ocorrera. Ficara confusa se alguém estava na casa além dela, Ana e André, ou se Ana conseguira se safar daquele tombo, que para ela tinha sido fatal. Nem se lembrara de olhar o porta malas quando foi para o carro, será que André tinha conseguido escapar, impossível, estava algemado. (...)
Por seu lado André recobrara os sentidos e viu que estava no porta malas do carro, embora algemado uma das algemas não estava trancada, Walkiria estava fora de si o tempo todo e não conferiu ao certo. Conseguiu empurrar o banco de trás e sair do carro, nisso machucou a perna que sangrava. Retornou a casa e viu Ana no chão, Walkíria desfalecida na cama, preferiu acudir Ana, arrastou-a até outro cômodo da casa, buscou no quarto panos para tentar melhorar o ferimento na cabeça de sua nova conquista. Estava com muito medo, nunca tinha visto Walkiria desse jeito. Em suas andanças de “Don Juan” não pensara que um dia estaria daquele jeito e naquela situação. (...)
Ana acorda, está zonza e nos braços de André, não consegue concatenar as idéias, mas aos poucos vai conseguindo, lembra-se que André é um salafrário, começa a ficar histérica, nisso acorda Walkíria, ele consegue dominar e explicar a Ana do perigo que estão correndo. Que precisam se esconder até conseguir socorro (...)
Agora Walkíria “de tocaia”, por não ter escolha, com medo pois não sabe o que lhe espera...Ana está nos braços do seu traidor, por não ter escolha, também está com medo...André está com muito medo, tenta pela primeira vez, por escolha, fazer algo que valha a pena...
Três vidas, uma escolha.

O crime quase perfeito


O cachorro latia desesperadamente. Era difícil de concentrar-se no que quer que fosse. O vizinho nada fazia para calar o animal e isso era o que mais incomodava. Num ato impensado, pura emoção, José subiu ao muro e dali tentou ver o que acontecia. Nunca antes o cão tinha latido tanto, estava realmente descontrolado. Dali de cima conseguiu ver a cena, da qual iria se arrepender para o resto de sua vida.
A mulher estava desfigurada. O cachorro ao seu lado tentava chamar atenção para ela. A princípio o primeiro pensamento foi de que o animal a tinha atacado, deixando-a naquele estado. Mas, observando melhor, o cachorro não apresentava sinais de sangue, Apenas terra na boca o que dava a certeza dele não ter feito aquilo. Então o que teria acontecido?
Ligar para a polícia foi a atitude que tomou. Não esperava ver aquela cena, nem notou que pulara o muro, que tinha mexido no corpo e que agora estava ligando para a polícia de dentro da casa da vítima. Só foi perceber a imprudência quando a polícia tomou-o como suspeito. Teve que ir prestar depoimento. Ao se deparar com o vizinho, viu que esse tinha os olhos vidrados, injetados de sangue que se fixavam nele com tanta raiva que era temeroso ficar no mesmo local os dois juntos.
Os investigadores não encontraram nada de suspeito ou de provas, a não ser sangue nas mãos e roupas de José, além de suas digitais na porta, telefone e vestígios na mulher morta, brutalmente morta. Contratou advogado. Imagine só, era o único suspeito. O marido tinha álibi, provas de que não havia feito aquela barbaridade. A mulher não tinha inimigos, estava muito bem com a família, não tinha filhos, era somente o casal. Ela trabalhava como professora, o esposo era um artista plástico renomado naquela cidade.
José estava numa grande enrascada. A cada dia que passava sentia-se mais e mais desesperado, sem forças, encurralado. Apelou para Deus com tanta intensidade como nunca tivera feito antes, aliás, pensava e dizia ser ateu. E agora, não tinha outra saída, a não ser crer no impossível. Até os seus amigos e familiares olhavam-no sem a mesma convicção do início das investigações. Tudo parecia perdido, tudo parecia ir de mal a pior. O advogado, seu defensor, insistia com maior ênfase agora, inquirindo-o se realmente ele não tinha feito aquela barbárie. Cada vez mais, ele decepcionava-se com os seres humanos, principalmente aqueles que o conheciam há tanto tempo.
Que saudade do tempo em que seus pais eram vivos? Estava precisando de colo, de amparo, de alguém que confiasse nele. Foi a julgamento, condenado pegou vinte anos de reclusão.
Saiu três anos depois, com dezessete anos por cumprir. O cachorro tinha voltado a atacar, agora, matando o marido da vizinha, vítima pela qual José fora considerado culpado. O animal usou o mesmo método, atacou no rosto, perfurando a jugular, depois esfregou o focinho em terra até sair o sangue, pegajoso, que tanto o incomodava.

O Anjo da Morte

O anjo da morte
Destinado e determinado o anjo espreitava, sabia o que fazer. A vítima era Jorge, homem com percepção feminina, intuição que de tão alta, já não era sexto, mas sétimo sentido. Pressentiu que algo o esperava para aquele dia e não era bom. O tremor que lhe sobreveio e o fez arrepiar, não teve dúvidas, era o dia da sua morte. Só não conseguiu sentir de que forma seria. A ansiedade acometeu-lhe, mas a dominou, pensamentos e atos, todos defensivos, estratégias para evitar qualquer acidente, tudo isso e mais um pouco foi o que Jorge fez para tentar não sucumbir diante da morte. O anjo não contava com tanta sensibilidade, a tal ponto de quase ser visto por Jorge, todos sabem que não se vêem anjos assim tão facilmente, ainda mais o da morte. Vestido com um sobretudo cinza escuro, uma espécie de camiseta preta, calça e botas da mesma cor. Tinha os olhos vermelhos como fogo e as mãos gélidas e extremamente fortes. Na esquerda tinha um cajado, pesado, de metal, talvez na cor chumbo esverdeado, talvez, porque não se podia afirmar. Alto, uns dois metros, ombros largos, peitoral forte também. Passos largos, corpo ereto. Aparecia num instante e noutro já não estava mais, sem fazer barulho, sem abrir portas. Assustador, mas invisível. Um toque e o escolhido podia morrer de enfarte, parada respiratória, tosse, até mesmo engasgo ou sofrer um acidente. Era capaz de colocar pessoas escolhidas para um mesmo dia em um avião e fazer o serviço de uma vez só. Ou mesmo escolher aqueles que morreriam num atentado à bomba. Talvez seja por isso que algumas pessoas perdem o avião ou faltam ao serviço e por isso escapam do anjo, porque não era o seu dia. O anjo não falava, grunhia, falava sim só se fosse muito necessário, aí tomava a voz emprestada de alguém para alcançar seu objetivo. Tinha poderes, muitos, só não mais que o Anjo da Luz. Jorge escolheu não dar chance para sua partida, tirou de pauta tudo que podia facilitar seu falecimento. Não dirigiu, não saiu de casa, não comeu, não ligou nem a televisão, ficou no máximo na sala e de lá para o quarto. Pensava com seus botões que se passasse daquele dia, estaria salvo e teria muito mais anos para continuar em sua vida que tanto amava. Estava bem de saúde, estava em ótimo estado mental, financeiro e emocional, tudo cooperava para que ele conseguisse viver até a velhice. A fome e a sede o apertavam, mas receoso, agüentava quieto e sem muito alarde. Já eram dez horas da noite. O anjo que nunca se impacientava, dessa vez, preocupou. O vivo quase morto estava muito vivo, até demais. Pela fome não morreria, de acidente só se a casa caísse em cima dele, mas aí seria uma covardia, o anjo era da morte, mas esse não era covarde a tal ponto. Tinha que ser algo mais nobre. Aonde já se viu anjo da morte com nobreza? Mas esse tinha tal capricho. A morte teria, então, uma seqüência lógica, algo assim com começo, meio e fim. Até porque serviço bem feito valia muito mais para sua graduação. Com seus olhos de fogo olhou além do que se podia ver, buscou o ponto fraco de Jorge. Já era quase meia noite, e se não morresse no dia marcado, então a vítima teria o dobro de sobrevida e o anjo um castigo horrível por ter falhado. Em sua busca encontrou o medo e a ansiedade bem próximas, lá dentro da mente de Jorge, agora teria que fazê-los entrar em seu coração, aí sim conseguiria fazê-lo ir dessa para pior. Primeiro o anjo atacou a mente de Jorge com pensamentos sobre a sua falta de líquido, desde cedo não tinha bebido água, resolveu ir até a cozinha, antes que fosse acometido de desidratação, ao passar pelo corredor viu seu gato, deitado dormindo, imaginou se aquele animal pudesse atacá-lo, imaginou o bicho tornar-se maior, foi ficando apavorado, nem bebeu a água direito, trôpego entrou no quarto, fechou a porta, deitou-se, o bichano tinha entrado também, miou, a adrenalina de Jorge foi a mil, taquicardia, sudorese, pegou um taco de beisebol que sempre tivera ao lado da cama, o coitado do gato deitado, a tacada certeira, foram-se as sete vidas de uma vez só, na meia noite em ponto. Novo dia começando, Jorge vivinho da silva, mas o anjo não foi de mãos abanando, e era isso que importava.